terça-feira, 18 de setembro de 2012

Patamares inatingíveis por escolha


É sexta-feira e o teu horário semanal de trabalho acabou, tens pouco mais de 48 horas para descomprimir e recarregar baterias. Saíste com um grupo de amigos, a namorada ou sozinho, e estás sentado á porta daquele bar onde te sentes bem. É sábado á noite e algures há grande concerto, boa banda ao vivo e som perfeito para o género que consomes, estás encostado á parede enquanto ao teu lado vai passando o tipo de gente que como tu aprecia boa música, ou daquele outro tipo que lá vai porque lá está a televisão. Final de tarde dum domingo fantástico, tempo quente mas nada sufocante, a brisa que vai correndo mantém o teu termóstato na zona perfeita da escala e a disposição num patamar bastante aceitável. Estás numa esplanada virada para o rio, ou tens o oceano e a areia num estranho bailado de avanços e recuos, á tua frente. Estás sentado num relvado imenso, e divides a tua presença entre a sombra duma árvore frondosa e o banho de sol que a circunda, enquanto contemplas o verde que se estende á tua frente. A situação física ou enquadramento é diferente mas irrelevante, denominador comum é o filtro de cartão metido na orelha enquanto a mortalha aguarda pela sopa preparada na palma da mão, enrolas e acendes. Ao teu lado bebe-se cerveja, whisky com cola ou simples, vodka seja qual for a tonalidade. As diferenças existem, antes de mais aos olhos da maioria dos transeuntes, que em ti verão o exemplo da decadência do mundo, ao passo que quem bebe apenas confraterniza, num acto social de grande prestígio. A referir também o facto de que quando acabas de fumar o teu relaxamento vai aumentando, a tua velocidade de raciocínio aumenta ainda que os níveis de concentração diminuam drasticamente e percas alguma coerência na articulação do teu discurso, mas desinibes-te mais, e vais desfrutar do teu ambiente, curtir o teu som, fazer mil e um filmes mas sempre na tua cabeça e sem incomodar ninguém, duas ou três horas depois o efeito inebriante passa-te. Do outro lado está alguém que vai armar confusão e deixar para trás um rasto de vomitado e garrafas vazias e que acorda ao outro dia com uma dor de cabeça terrível. Proibir uma e liberar ou até incentivar a outra é um contra-senso, a liberdade de escolha deveria existir fosse qual fosse o gosto pessoal de cada um, e esta é a única comparação que pode ser feita. Num patamar diferente e sem comparação possível, ao nível das piores doenças que afectam a raça humana, encontram-se as substâncias que causam habituação, drogas pesadas cujo consumo não deve por escolha ser sequer considerado, a curiosidade existe claro, mas caminhar na direcção dum abismo e não parar perante a visão do fim, ou é sinónimo de falha cerebral ou de vontades suicidas. As provas de que subir ao patamar mais alto do êxtase só em raras excepções te permite o retrocesso, caminham entre nós, daí que não valha a pena nem faça qualquer sentido percorrer um caminho cujo desfecho é sobejamente conhecido. Qual a necessidade de procurar subir alguns degraus na escala do conforto psicotrópico, quando se sabe que em troca hipotecamos a nossa vida? Um mergulho esporádico numa realidade diferente facilita a descompressão, escuda-nos por momentos do stress, funcionando como refúgio enquanto os mecanismos individuais de ponderação não amadurecem o suficiente, ou para por uns breves momentos fugir as responsabilidades adultas, mas procurar viver permanentemente submerso nessa realidade parece-me uma procura suicida que facilmente se resolveria duma forma mais simples, menos penosa e com menor prejuízo para as pessoas que lhes são mais próximas.

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